Ontem, o pastor Silas Malafaia,
de inegável habilidade retórica, entrevistado por Marília Gabriela, pronunciou
uma frase de rara franqueza enquanto discursava sobre os malefícios do ‘homossexualismo’:
“Eu amo os homossexuais
como amo os bandidos e os assassinos”.
O religioso, naquela ocasião, mostrava como diferenciava
o pecador de seu pecado. Ele, um pastor de sucesso (vide revista Forbes),
conciliaria o amor pela humanidade ao passo que reprovaria as práticas
pecaminosas. O fato é que afirmações dessa natureza constituem um discurso
odioso travestido de condescendência.
Malafaia pode discorrer
à vontade sobre o pecado. Ele pode pregar que ingerir álcool, homossexualidade,
sexo heterossexual fora do casamento são pecados. Ele que comercialize o paraíso
do modo que melhor lhe apeteça. Não me interessa debater religião com ele. Não
me importa discutir a arquitetura de seu céu nem de seu inferno. Não posso
regular como funcionam lugares que não tenho certeza se existem.
O fato é que se valer
de uma visão de mundo particular para cercear direitos de indivíduos que não comungam
daquela visão é antiliberal. Compreendo que argumentos conservadores também
fazem parte da dinâmica democrática. Mas, numa democracia, a moral religiosa
sobrevive pela capacidade de convencer os indivíduos acerca de sua
legitimidade, não na manutenção de barreiras jurídicas aos cidadãos livres e
capazes (nesse caso, restrições ao casamento homoafetivo e ao direito de adotar).
Uma coisa é uma moral religiosa
específica considerar homossexuais ovelhas desgarradas, condenados ao inferno. Outra coisa é uma moral religiosa específica
colonizar o mundo das relações jurídicas. Bandidos e assassinos afetam a
propriedade e a vida de terceiros. Têm condutas antijurídicas. É uma ignomínia (no
mundo das relações civis) comparar tais práticas à homossexualidade.
O modo que dois
indivíduos livres e capazes exercitam sua sexualidade não é problema do Estado.
Desde que não afetem compromissos procedimentais de terceiros, não os desabona
moralmente para o exercício pleno do Direito. A ameaça do inferno não autoriza
o Estado a qualificar indivíduos como cidadãos de segunda categoria.
Se liberdades civis
incomodam líderes religiosos, eles que convençam os cidadãos a não exercê-las. Impedir
o Estado de reconhecer a legitimidades dessas demandas é usar a democracia para
combater a democracia. O papel do Estado é tratar os indivíduos igualmente sem
privilégios e sem perseguições. Cada um que busque seu ideal de vida boa.
Em tempo: As
considerações de Malafia não fazem dele um criminoso. Fazem dele um conservador
rasteiro, um parlapatão, emprestando a conhecida fala de... bom, deixa pra lá, isso já é outra história.