Há muita gente dizendo que essa onda de manifestações será
inócua. Faltariam programa e objetivo definidos, dizem. É certo que existe
uma disparidade ideológica absurda entre o anarco-punk da bandeira preta e a
garota da cartolina na qual se lê “Verás que um filho teu não foge à luta”. Avalio
que essa leitura é equivocada. A mensagem dessas manifestações não é
programática, é simbólica. Festa
estranha com gente esquisita. Muitos indivíduos diferentes relembraram o
caminho da praça – só que todo mundo ao mesmo tempo.
Uma querida e comunista amiga, informando o tom da
manifestação de ontem em Florianópolis, de quase 20 mil pessoas, arrematou: “Tem
de tudo, de favelado a patricinha. De neofascista a esquerda clássica.” Como
avaliar esse momento? É a generalização da perplexidade.
Todos estão vendo: as pessoas não estão se manifestando
juntas. Elas estão juntas se manifestando. Conservadores, feministas, gaiatos,
liberais e barbudos de DCE trazem consigo uma única intersecção: apenas estão
no mesmo lugar e na mesma hora. Na
procissão dos indignados os mais diversos campos ideológicos se manifestam,
organizados em movimentos ou outsiders.
Justamente por isso é equivocado analisar o efeito dessas
manifestações tendo como parâmetro os resultados eleitorais de 2014, ou como já
ouvi: “se essa indignação toda não se manifestar nas urnas, não serviu de nada”.
Quem esses esperam que surja até as próximas eleições? O Escolhido? O Capitão
Nascimento? O novo líder que está surgindo no Morro do Pau da Bandeira? Cuidado
com os Messias políticos – eles costumam aparecer em momentos como este. Nem o
foco é o resultado eleitoral, embora esse não deva ser desprezado. O foco é a
emergência de uma nova cultura de juventude.
Vamos às apostas, um pouco de futurologia aplicada. É
prudente imprimir. Há pequenas chances que eu, envergonhado por ratadas monstruosas,
edite ao meu sabor essas previsões.
1) Não acredito em mudanças institucionais surgidas
diretamente dessa onda de manifestos. Há grupos mudancistas (da extrema
esquerda até a extrema direita) na rua, mas nenhum deles sequer ameaça se tornar
hegemônico nas manifestações.
2) A passagem de ônibus vai cair um pouco. Esse ano, não mais
que isso. Novas políticas de mobilidade urbana? A semente foi plantada. Esse
debate vai evoluir.
3) As manifestações continuarão por algum tempo, mas se
dividirão. Manifestantes de “sangue azul” enciumados por manifestantes neófitos
terem tomado o foco de suas reclamações tradicionais já contestam a legitimidade
desses protestos. Idiossincrasias ideológicas ficarão ainda mais evidentes. Direita/esquerda,
liberais/comunitaristas, conservadores/progressistas continuarão na praça. Mas
a praça é grande, não desejarão continuar juntos no mesmo corte de imagens da TV.
Há um conto no qual Franz Kafka diz que as Sereias possuem
uma arma ainda mais poderosa que o seu canto – o seu silêncio.
A sociedade civil brasileira ficou calada por mais de vinte
anos. Seu silêncio nos adormeceu enquanto as crianças cresciam. Elas estão
gritando e já são adultas. Nós, nascidos na ditadura, acordamos atordoados no
meio da noite escura.
Como esses garotos serão lembrados?
Seriam eles os Facebooksons da Revolução? Seriam burgueses com
religião? São o futuro da nação – Mas ainda não sei o nome deles.
Post Scriptum:
O Conto De Kafka é o "Silêncio das Sereias". Pode ser lido aqui: http://almanaque.folha.uol.com.br/kafka2.htm
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