terça-feira, 25 de junho de 2013

SUA EXCELÊNCIA o FANÁTICO POLÍTICO DO GOLPE



Comparados aos jornalistas, os cientistas políticos são bem-aventurados. Nesse clima de protestos, enquanto o jornalismo (trato aqui do jornalismo político) tem a responsabilidade de informar uma furiosa sucessão de fatos, os cientistas políticos têm a chance de correr para a cama quentinha da teoria. Politólogos podem observar os fatos duma distância longínqua, bem ali naquelas fronteiras que separam o empírico do filosófico. Triste daquele que num dia como hoje precisa escrever um texto de três mil caracteres em tempos que os tweets mais perspicazes têm validade de quinze minutos. Faz um texto sobre a constituinte! – Não tem mais constituinte; Faz um texto sobre a PEC-37 que estava ali! – Qual? O gato comeu.

 Por outro lado, a ciência também não é essa calmaria toda. Talvez seja tempo de rever minhas posições teóricas. E se rolar uma crise de paradigma? E se Karl Popper atacar novamente? – nesse caso, a derrocada de minha teoria predileta é tão certa quanto o terremoto que vai destruir Los Angeles. Pois é, Mário Quintana, a esperança é um urubu pintado de verde. Tenho mais de trinta e preciso achar minha turma. Já decidi. Gostoso mesmo é ser fanático. Fanático não erra. Fanático está sempre certo. O universo simbólico do fanático sempre arranja no meio do caos uma bóia que salve o seu delírio. Para além dos fatos, para além da ciência, para além do universo. O fanático é foda.

Na panacéia que o Brasil está, jornalistas, políticos profissionais, sociólogos, donas de casa estão perplexos – exceto o fanático. Há várias espécies de fanatismo. Eu escolhi ser um fanático político. O fanático político falando do golpe é minha versão preferida. Para essa categoria O Golpe de Estado que se avizinha é uma realidade, aconteça ele ou não. O fanático goza sadicamente com a hipótese do golpe. O fanático luta decidido contra O Golpe, mas sua apoteose é O Golpe. Há uma delícia depravada em soltar o grito ainda preso: Eu já sabia!!! Eu avisei!!!

 Você pode escolher ser um “Fanático Político do Golpe” nas cores vermelha ou azul. Eu prefiro a cor vermelha, não que haja nenhuma superioridade em relação ao azul, não vou gerar polêmicas que eu não sou disso, mas eu sempre gostei mais de Gabriel Garcia Marquez do que de Mario Vargas Llosa. Todos deveriam amar o fanático político do golpe, ele não tergiversa, não tem trololós, não-me-toques ou rapapés. É fácil brincar com ele: basta dar cinco minutos de atenção que ele começa a gritar: Fascista, Golpista, Reaça. O azul, por seu turno grita: Comuna, Gayzista e PTralha. O adjetivo “canalha” é item de série nas duas versões.

O mundo está muito confuso. Só o fanático é ilustrado. Por isso que gosto de debater com eles – dureza mesmo é agüentar os perdigotos.




quarta-feira, 19 de junho de 2013

MANIFESTO DE GAROTOS E SEREIAS




Há muita gente dizendo que essa onda de manifestações será inócua. Faltariam programa e objetivo definidos, dizem. É certo que existe uma disparidade ideológica absurda entre o anarco-punk da bandeira preta e a garota da cartolina na qual se lê “Verás que um filho teu não foge à luta”. Avalio que essa leitura é equivocada. A mensagem dessas manifestações não é programática, é simbólica. Festa estranha com gente esquisita. Muitos indivíduos diferentes relembraram o caminho da praça – só que todo mundo ao mesmo tempo.

Uma querida e comunista amiga, informando o tom da manifestação de ontem em Florianópolis, de quase 20 mil pessoas, arrematou: “Tem de tudo, de favelado a patricinha. De neofascista a esquerda clássica.” Como avaliar esse momento? É a generalização da perplexidade.

Todos estão vendo: as pessoas não estão se manifestando juntas. Elas estão juntas se manifestando. Conservadores, feministas, gaiatos, liberais e barbudos de DCE trazem consigo uma única intersecção: apenas estão no mesmo lugar e na mesma hora.  Na procissão dos indignados os mais diversos campos ideológicos se manifestam, organizados em movimentos ou outsiders.

Justamente por isso é equivocado analisar o efeito dessas manifestações tendo como parâmetro os resultados eleitorais de 2014, ou como já ouvi: “se essa indignação toda não se manifestar nas urnas, não serviu de nada”. Quem esses esperam que surja até as próximas eleições? O Escolhido? O Capitão Nascimento? O novo líder que está surgindo no Morro do Pau da Bandeira? Cuidado com os Messias políticos – eles costumam aparecer em momentos como este. Nem o foco é o resultado eleitoral, embora esse não deva ser desprezado. O foco é a emergência de uma nova cultura de juventude.


Vamos às apostas, um pouco de futurologia aplicada. É prudente imprimir. Há pequenas chances que eu, envergonhado por ratadas monstruosas, edite ao meu sabor essas previsões.

1) Não acredito em mudanças institucionais surgidas diretamente dessa onda de manifestos. Há grupos mudancistas (da extrema esquerda até a extrema direita) na rua, mas nenhum deles sequer ameaça se tornar hegemônico nas manifestações.

2) A passagem de ônibus vai cair um pouco. Esse ano, não mais que isso. Novas políticas de mobilidade urbana? A semente foi plantada. Esse debate vai evoluir.

3) As manifestações continuarão por algum tempo, mas se dividirão. Manifestantes de “sangue azul” enciumados por manifestantes neófitos terem tomado o foco de suas reclamações tradicionais já contestam a legitimidade desses protestos. Idiossincrasias ideológicas ficarão ainda mais evidentes. Direita/esquerda, liberais/comunitaristas, conservadores/progressistas continuarão na praça. Mas a praça é grande, não desejarão continuar juntos no mesmo corte de imagens da TV.  


Há um conto no qual Franz Kafka diz que as Sereias possuem uma arma ainda mais poderosa que o seu canto – o seu silêncio.

A sociedade civil brasileira ficou calada por mais de vinte anos. Seu silêncio nos adormeceu enquanto as crianças cresciam. Elas estão gritando e já são adultas. Nós, nascidos na ditadura, acordamos atordoados no meio da noite escura.  

Como esses garotos serão lembrados?

Seriam eles os Facebooksons da Revolução? Seriam burgueses com religião? São o futuro da nação – Mas ainda não sei o nome deles.



Post Scriptum:
O Conto De Kafka é o "Silêncio das Sereias". Pode ser lido aqui: http://almanaque.folha.uol.com.br/kafka2.htm