sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

CARNAVAL DE SALVOS E PERDIDOS - Uma Reconversão Cor de Jambo



Todas as coincidências são meros fatos reais:

Em janeiro de 2001 tomei um fora tão pesado que decidi virar padre. Mesmo sem ter experimentado muitas hóstias, o mundo de contemplação ascética era a única alternativa cabível para superar o coice da garota preferida.

Sob o assombro da família e dos amigos, eu seguia intrépido o caminho sacerdotal. Leituras bíblicas, teológicas, diálogos filosóficos e o exemplo de alguns admiráveis padres lançavam no coração esfalfado uma paz nunca sentida.

Após um mês de abstenções, com a certeza visceral que só se tem aos vinte anos, decidi testar minha profissão de fé. Fui passar o carnaval em Olinda.

Minha santidade só durou até a Rua do Bonfim, onde uma morena cor de jambo (dessas que só existem Nordeste) me pediu um gole d’água. Aquela morena era a encarnação de Eva bagunçando a paz do meu paraíso. Mas se existe algo que todas as religiões do mundo concordam é que água não se nega. Meu derradeiro ato de consciência foi repetir as linhas de Santo Agostinho:

Dai-me a castidade [Senhor] -- mas não ainda...

Depois disso as memórias são esparsas. Lembro do frevo, do sol, da chuva e do constante calor. E lembro de loiras e morenas.

Meu sofrimento foi curado. Fui salvo pela alegria infinita do carnaval.



Carnaval de Olinda (Arquivo da Prefeitura )



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O INFERNO DE MALAFAIA


Ontem, o pastor Silas Malafaia, de inegável habilidade retórica, entrevistado por Marília Gabriela, pronunciou uma frase de rara franqueza enquanto discursava sobre os malefícios do ‘homossexualismo’:

“Eu amo os homossexuais como amo os bandidos e os assassinos”.

 O religioso, naquela ocasião, mostrava como diferenciava o pecador de seu pecado. Ele, um pastor de sucesso (vide revista Forbes), conciliaria o amor pela humanidade ao passo que reprovaria as práticas pecaminosas. O fato é que afirmações dessa natureza constituem um discurso odioso travestido de condescendência.

Malafaia pode discorrer à vontade sobre o pecado. Ele pode pregar que ingerir álcool, homossexualidade, sexo heterossexual fora do casamento são pecados. Ele que comercialize o paraíso do modo que melhor lhe apeteça. Não me interessa debater religião com ele. Não me importa discutir a arquitetura de seu céu nem de seu inferno. Não posso regular como funcionam lugares que não tenho certeza se existem.

O fato é que se valer de uma visão de mundo particular para cercear direitos de indivíduos que não comungam daquela visão é antiliberal. Compreendo que argumentos conservadores também fazem parte da dinâmica democrática. Mas, numa democracia, a moral religiosa sobrevive pela capacidade de convencer os indivíduos acerca de sua legitimidade, não na manutenção de barreiras jurídicas aos cidadãos livres e capazes (nesse caso, restrições ao casamento homoafetivo e ao direito de adotar).

Uma coisa é uma moral religiosa específica considerar homossexuais ovelhas desgarradas, condenados ao inferno.  Outra coisa é uma moral religiosa específica colonizar o mundo das relações jurídicas. Bandidos e assassinos afetam a propriedade e a vida de terceiros. Têm condutas antijurídicas. É uma ignomínia (no mundo das relações civis) comparar tais práticas à homossexualidade.

O modo que dois indivíduos livres e capazes exercitam sua sexualidade não é problema do Estado. Desde que não afetem compromissos procedimentais de terceiros, não os desabona moralmente para o exercício pleno do Direito. A ameaça do inferno não autoriza o Estado a qualificar indivíduos como cidadãos de segunda categoria.

Se liberdades civis incomodam líderes religiosos, eles que convençam os cidadãos a não exercê-las. Impedir o Estado de reconhecer a legitimidades dessas demandas é usar a democracia para combater a democracia. O papel do Estado é tratar os indivíduos igualmente sem privilégios e sem perseguições. Cada um que busque seu ideal de vida boa.

Em tempo: As considerações de Malafia não fazem dele um criminoso. Fazem dele um conservador rasteiro, um parlapatão, emprestando a conhecida fala de... bom, deixa pra lá,  isso já é outra história.  


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

ALAGOAS SELVAGEM


THE TYGER

Tyger! Tyger! burning bright
In the forest of the night,
What immmortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?

(William Blake - Songs of Experience)





Há um assanhamento refletido quando nosso povo apregoa o clichê “Brasil não é para principiantes”. A verdade é que gosto dessa petulância brasilianista que mesmo sem conhecer outros lugares do mundo, afirma com majestosa intuição, sermos mais complexos que as outras paragens do orbe terrestre. Gosto desse clichê a ponto de ampliá-lo como quem faz um puxadinho numa casa de praia: Se o Brasil não é para principiantes, Alagoas não é para principiantes em Brasil.

Alagoas é a minha Esfinge; há muito fui devorado por ela. Não é um enigma simples entender como por aqui todos os inimigos políticos possuem um amigo em comum; e como todos os aliados políticos possuem desavenças ancestrais. Apenas aos alagoanos é dada a graça de entender coisas como Fernando Collor e Renan Calheiros, este, eleito hoje Presidente do Senado. Eternamente serei um estrangeiro.

A beleza primordial também é assustadora. Alagoas possui no seu povo e na sua terra um encanto ao mesmo tempo edênico e bárbaro. Alagoas sempre me lembra The Tyger - poema de William Blake. Blake descreve o tigre compassadamente brilhante e feroz. Simétrico e selvagem. Ardente e mortal.

Alagoas do povo que assombrado, assiste diariamente a corrupção de sua elite política. Elite que é democraticamente eleita por este mesmo povo. Comandando um Estado campeão em incontáveis modos de atraso, sempre os mesmos nomes, algumas vezes acompanhados por Júnior, Filho ou Neto.

A terra que gerou algumas das figuras mais interessantes de nossa república é a mesma terra que o debate político é regulado pelo poder do crime. O povo mais hospitaleiro é também o povo que mais mata no Brasil. Alagoas, terra na qual as fotografias de paraísos ensolarados são manchadas pelo derramamento cotidiano de sangue humano. Quantos paradoxos Alagoas ainda pode inventar?

            Hoje mais uma vez, a terra tomada de Pernambuco pelo Rei em 1817, alcançará o centro das atenções no debate político nacional. Alagoas de Gracilianos e Ivos, hoje pródiga em exportar justamente aquilo que tem de pior.

            Alagoas, mesmo assim eu te desejo. Bela e selvagem, como o Tigre de William Blake.